Crónica de Alexandre Honrado
Porque escrevo isto?
Não faço a menor ideia porque escrevo.
Ganhei boa parte da vida a escrever, isso é certo, mas o que será isso de ganhar a vida? Todos, sem exceção, deviam nascer com o direito reconhecido ao chão que pisam. Este planeta é o chão de todos. A cama. A casa. O lugar da fogueira. O ponto de encontro da emoção.
Escrevi – e escrevo – coisas completamente disparatadas, inúteis, até sobre temas que não me interessam ou interessavam nada. É que fui do texto na parede ao telegrama e aos livros, passando por outros meios que teimavam em ser de comunicação.
Quando era pequeno gaguejava. E não, nunca tive um assessor, tive vários que me deram a mão, anda lá, mesmo que gaguejes arranja uma voz que seja tua. Nunca fui parlamentar, há de todos os géneros, do sincero ao que julga viver na Itália apunhalada por Mussolini.
Um dia acordei e descobri que falando mais devagar, colando mesmo algumas palavras, vencia uma boa parte da gaguez. Faço rádio há anos. É um paradoxo. Não é para aqui chamado.
Dizia eu que escrevo e não faço a menor ideia porque o faço.
O John Berger disse há tempos, que a atividade da escrita é vital, para ele: “Ajuda-me a dar sentido às coisas e a continuar”. Eu sei que só dois, vá lá, três de vocês sabem quem é o John Berger. Isso interessa? O que estou para aqui a escrever…Interessa-me. O Berger disse que “uma língua falada é um corpo, uma criatura viva […]. E o lugar onde esta criatura reside é tanto o que não se diz quanto o que se diz”.
Custa-me escrever isto. É verdade. Dei duas quedas. Uma rasgou-me o calcanhar.
A segunda foi porque assentei o peso sobre o calcanhar rasgado e a dor foi insuportável e voei, como o Peter Pan ou o ponta de lança sobre os centrais e arranjei uma nova dor, no braço, no pulso, em dois dedos, ao fim de um lance de escadas que não me deu a mão. É uma maneira interessante de reparar que tenho corpo. E de perceber que a escrita me dói.
Normalmente vivo dentro da cabeça, sem corpo. Se quiser ir a algum lado, chamo o carro.
Porque será que estou a escrever isto? Tão lentamente…
Não sei porque escrevo. Sei que cada sílaba é um companheiro antigo que me impede de gaguejar, mesmo que o faça às vezes, só para mim.
Alexandre Honrado
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